A <i>Arte Chocalheira</i><br> uma salvaguarda urgente
A arte chocalheira de Alcáçovas já é Património Cultural Imaterial com Necessidade de Salvaguarda Urgente, título atribuído pela UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura.
A decisão da Unesco em classificar a arte chocalheira da Freguesia de Alcáçovas no Concelho de Viana do Alentejo, como Património Cultural Imaterial da Humanidade, é sem dúvida um reconhecimento aos trabalhadores desta arte e aos artesãos que ao longo dos anos, enfrentando imensas dificuldades económicas e outras, mantiveram viva esta actividade artesanal. O fabrico de chocalhos é uma arte milenar que tem no território alentejano a sua maior expressão a nível nacional, com destaque para a Freguesia de Alcáçovas
O Alentejo foi até há poucos anos uma região de espaço aberto, onde não existiam vedações nem delimitações artificiais de terrenos.
Era nestas condições que os rebanhos e manadas de gado pastoreavam. Para que os pastores e maiorais conseguissem saber onde se encontravam os animais, principalmente durante a noite, era pelo som dos chocalhos que se orientavam.
Diversos tipos de chocalhos eram utilizados, com diversos tamanhos e diversos sons. Nos campos ouviam-se verdadeiras orquestras conduzidas pelos animais que ora mais velozes à procura de pastos mais tenros ou bolotas mais doces, ora mais lentos quando pachorrentamente se alimentavam ou descansando remoíam.
Mas na verdade os tempos mudaram. As cercas de arames farpados, delimitativas dos terrenos, foram invadindo os campos, e os produtores pecuários foram deixando de procurar os chocalhos para ornamentarem os seus animais. Para além disto, também o facto de a transmissão desta arte ser hereditária, de pai para filho, colocou em risco o perpetuar do fabrico dos chocalhos, existindo um elo ancestral que se quebrou com o desinteresse dos mais novos e com as modernas práticas de produção pecuária.
Estas circunstâncias levaram a uma diminuição do número de fabricantes de chocalhos, que na região Alentejo, mais precisamente na vila e Freguesia de Alcáçovas, tinha e ainda tem o seu expoente máximo.
Responsabilidade acrescida
No entanto, várias sãos as famílias de chocalheiros que teimosamente continuaram a produzir chocalhos e assim a preservar esta arte ancestral. Mesmo que esta produção se dedique agora muito mais à arte decorativa e menos à função que sempre desempenhou, ou seja de ajuda a quem tem a missão de apascentar os animais pelos campos.
Actualmente restam no país 13 chocalheiros, a maioria no Alentejo, dos quais nove têm mais de 70 anos e os outros têm entre 30 e 40 anos.
Tendo em conta a necessidade de preservar a arte chocalheira e de incrementar a produção de chocalhos, voltando a dar a esta actividade a dimensão económica que já possuiu, foi apresentada uma candidatura à UNESCO para classificação desta arte como património imaterial da humanidade com necessidade de salvaguarda urgente. Esta classificação veio a acontecer no passado dia 1 de Dezembro, na Namíbia.
Saudamos todos aqueles que se empenharam, trabalharam e colaboraram para o sucesso desta candidatura. Mas se é de facto importante que se tenha obtido a classificação por parte da UNESCO, na verdade, bastante importante é o futuro próximo. Muito há agora que fazer para que a arte se desenvolva cultural e economicamente.
Há muito que defendemos uma forte aposta no incremento da produção nacional, nomeadamente na agricultura e na pecuária. E esta é decerto uma das mais importantes para que os chocalhos se continuem a produzir e assim, atrair mais interessados em aprender a trabalhar a arte chocalheira.
É, contudo, fundamental adoptar um outro tipo de políticas que protegem as vertentes culturais desta arte que tem uma ligação estreita à pastorícia com relevantes dimensões sociais que fizeram da transumância uma componente importante da relação entre as populações do Alentejo e de outras regiões.
Preservar a arte através da espécie e a espécie através da arte impõe, agora, uma responsabilidade acrescida. Que seja este mais um motivo para que existam apoios efectivos que revitalizem a actividade na sua função cultural, social e económica.
Mais uma luta para que a voz do campo se continue a ouvir.